O Carlos tem a expressão bela de um gaiato
No Carlos, o que se ouve mais é o silêncio. A sua voz é um sussurro magoado apercebido apenas por entre a folhagem das palmeiras bravas.
O Carlos não sabe que as águas que passam por baixo das pontes estão envenenadas, ele não sabe dos desgostos que o vento espalha, não sabe que o despeito é a razão de se ser egoísta e que os homens vivem com armas nos bolsos. Não sabe que o céu é azul porque os homens assim o pintaram, que as árvores podiam ser de outra cor, ele não sabe que até o sol existe para os homens pouparem eletricidade. Não sabe e acha tudo natural…
O Carlos vive com a mesma sem-razão de tudo o que vive contente de ser, sem saber.
Um dia chegou ao pé de mim, tinha medo de perturbar o silêncio, depois falou, lentamente, palavras sibiladas, sussurradas como o vento, e disse-me, como quem profere uma blasfémia: sabes, estou feliz.
Belo, não acham?
Este texto foi publicado na minha juventude no Suplemento Jovem do Diário de Notícias, subordinado ao tema Belo