Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A cor azul dos miosótis

Somos mais produto do meio que nos constrói ou da imaginação que nos concebe?

O Carlos tem a expressão bela de um gaiato

26.06.23 | Jorge Almeida
O Carlos tem a expressão bela de um gaiato, um breve aroma frágil, um torpor da manhã. É assim, como o rumor dos rios ou o murmúrio do vento. Ou antes, a tarde inteira a lavrar na planície tépida. Não sei de que noites cruas vieste, para trazeres nos olhos a claridade toda das manhãs brancas!
 

No Carlos, o que se ouve mais é o silêncio. A sua voz é um sussurro magoado apercebido apenas por entre a folhagem das palmeiras bravas.

 

O Carlos não sabe que as águas que passam por baixo das pontes estão envenenadas, ele não sabe dos desgostos que o vento espalha, não sabe que o despeito é a razão de se ser egoísta e que os homens vivem com armas nos bolsos. Não sabe que o céu é azul porque os homens assim o pintaram, que as árvores podiam ser de outra cor, ele não sabe que até o sol existe para os homens pouparem eletricidade. Não sabe e acha tudo natural…

 

O Carlos vive com a mesma sem-razão de tudo o que vive contente de ser, sem saber.

 

Um dia chegou ao pé de mim, tinha medo de perturbar o silêncio, depois falou, lentamente, palavras sibiladas, sussurradas como o vento, e disse-me, como quem profere uma blasfémia: sabes, estou feliz.

 

Belo, não acham?

 

Este texto foi publicado na minha juventude no Suplemento Jovem do Diário de Notícias, subordinado ao tema Belo

 

1 comentário

Comentar post